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19 de abril de 2022 por pragmatismos UERJ

AOS CALUNIADORES DA RÚSSIA

AOS CALUNIADORES DA RÚSSIA
19 de abril de 2022 por pragmatismos UERJ

Por Bruno Cava1

Aos caluniadores da Rússia é o nome de um dos poemas patrióticos mais famosos de Alexandre Pushkin. A invasão putinista na Ucrânia desencadeou uma onda de cancelamentos da literatura russa. Deveríamos era fazer o contrário. Deveríamos ler e reler incessantemente os russos à luz da invasão, inclusive para separar o joio do trigo e compreender de que maneira, do interior das obras, as linhas imperiocêntricas estejam presentes. O vício da cultura do cancelamento é cancelar sem ler ou então superestimando aspectos biográficos em detrimento das obras mesmas. Já adianto que ao longo de minha juventude mantive com a literatura russa oitocentista uma relação de fervor.

Em 1830, a primeira primavera dos povos adquire os contornos de uma revolta global. Iniciada com a Revolução de Julho na França, logo contagia os povos dos Países Baixos, conduzindo ao levante secessionista do qual se originou a Bélgica. No norte da Itália, os levantes adquirem um caráter nacional contra o domínio austríaco, enquanto nos Estados Papais, a insurreição contesta o controle secular da Igreja. No Brasil, a agitação das ideias francesas anima a ala patriótica e antilusitana, aumentando os protestos e as pressões sociais que fariam Dom Pedro I abdicar ao trono.

Varsóvia, novembro de 1830. Cadetes e estudantes que participavam de organizações secretas nacionalistas resolvem sublevar-se diante da dominação russa sobre o país. Conquistam o apoio popular e uma multidão armada expulsa as tropas do czar. Forma-se um governo revolucionário que, como primeira medida, abole as pretensões do imperador sobre a Polônia, declarando a independência. Em fevereiro de 1831, uma tropa czarista com mais de 100 mil soldados invade o país para restabelecer a ordem e encontra resistência por todo lado. Os grandes impérios vizinhos da Prússia e da Áustria declaram neutralidade.

A essa altura, jornalistas, intelectuais e políticos franceses, vivendo agora na monarquia constitucional com direitos liberais reconhecidos, manifestam apoio aos rebeldes poloneses e afinidade de valores e ideais. Apesar da resistência e das perdas, os russos vão vencendo as batalhas. Jornais franceses e até deputados no parlamento passam a defender a intervenção armada da França na Polônia, a fim de contrabalançar a superioridade de meios bélicos do Império Russo.

Nesta conjuntura, em setembro de 1831, o fundador da novela moderna publica “Aos caluniadores da Rússia”. Na época de Nicolau I, embora a imprensa fosse submetida à disciplina estrita, o poema de Puschkin levou apenas uma semana para passar pelo comitê de censores do estado. Com indisputável qualidade formal, o poema é um estridente panfleto pró-invasão da Polônia.

Não nos interessa aqui fazer um juízo englobante sobre a biografia de Pushkin, que inclui ter colaborado com as revoltas dezembristas contra o mesmo czar Nicolau, em 1825, pelo que o poeta pagou com anos de exílio e liberdade vigiada. Mas sim aproveitar desse poema, forte enquanto literatura, no que ele tão bem exprime da alma imperialista eslavófila.

No texto, Pushkin acautela os franceses de não meterem a colher numa briga caseira. Que os intelectuais liberaloides da França vão cuidar de seus próprios problemas e não dos nossos. Já terão esquecido Borodino? No poema, o conflito entre russos e poloneses é enquadrado como uma rixa familiar. Argumento parecido, que ressoa com a política externa da Federação Russa de hoje, ao considerar os ucranianos como irmãos caçulas, “russos menores”, que precisam ser protegidos da má influência de novas amizades. Ou então, na variante macho-mafiosa do próprio Putin (como salientado num recente artigo de Slavoj Zizek), ao tratar a Ucrânia como uma parceira de direito que deveria aceitar a cópula, por bem ou por mal, em vez de se bandear com outras companhias.

Pushkin nos oferece um vislumbre não apenas nos argumentos políticos, como também na impostação afetiva implicada: é assunto doméstico, de proteção de irmãos menores, e envolve a dialética entre proteger e intimidar (igualmente presente na máfia, instituição familista). O eu lírico se dirige aos poloneses como o capo da família repreende as suas crianças. Os poloneses cometeram um erro, mas agora devem voltar ao seio dos parentes sob a orientação da Rússia. Para garantir isso, alguma violência pode ser necessária, mas é para o próprio bem de quem está em processo de educação.

O poema fala da fusão dos diversos afluentes eslavos no receptáculo esplêndido do oceano russo, como que um direito histórico derivado das origens medievais de Rus. Mais do que isso, Pushkin exprime a necessidade existencial da Rússia em relação aos afluxos vindos dos povos eslavos, como sua condição vital mesma. O destino manifesto da Rússia é reuni-los todos — ucranianos, bielorrussos, poloneses, balcânicos — sob o estandarte da Águia de Duas Cabeças do irmão maior.

Leituras mais contemporâneas, geralmente pendentes à Escola Realista, por bacharéis em Relações Internacionais, tendem a relegar a segundo plano a dimensão biogeográfica da premissa que haveria zonas de influência naturais ao redor de Moscou. Nos casos da Polônia ou da Ucrânia, essa antiga pretensão tem um caráter mais étnico, de sangue mesmo, do que propriamente espacial, de um perímetro de segurança.

Finalmente, “você nos odeia”, dirige-se o poeta à Europa Ocidental. Pois apoiar os poloneses só pode ser russofobia. O mais sintomático aqui é a motivação invocada no poema para o ódio ocidental: nos odeia, a nós russos, que salvamos todos vocês. Referindo-se à invasão de Napoleão à Rússia, “das ruínas incendiadas de Moscou”, Pushkin cita mais uma vez o sangue eslavo, esse derramamento monumental que salvou a “liberdade, a paz e a honra” da Europa. Na mais sangrenta das batalhas das guerras napoleônicas, a de Borodino (1812), cuja vitória da Grande Armée custou-lhe a exaustão e consequente perda da guerra no longo prazo.

Noutro poema, em resposta a um crítico próximo (Pyotr Chaadayev), Pushkin vai mais longe e argui como a Rússia salvou todo o cristianismo do Jugo Mongol. Não fosse o sacrifício dos eslavos, os mongóis teriam chegado até Portugal, estendendo a horda do Pacífico ao Atlântico. Com o sangue russo, “pelo nosso martírio o vigoroso desenvolvimento da Europa católica foi poupado de todos os obstáculos”. Por isso mesmo, os russos são tão detestados pela ingrata Europa Ocidental, por serem seus indesejados redentores, novamente traídos, nesse assunto caseiro com os irmãozinhos eslavos.

__________________________________________

1 Bruno cava é graduado em Engenharia pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, pela qual também é mestre em Filosofia do Direito, e oferece cursos livres presenciais e online, por meio do canal Horazul (Youtube).

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