O presente texto foi a base de uma palestra que fiz no 4º Seminário de Estudos do Gótico, que ocorreu entre os dias 24 e 27 de agosto de 2021, remotamente, devido à pandemia global, e que foi promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina. Uma versão em inglês desta palestra foi proferida na Critical Legal Conference de 2021, que ocorreu entre os dias 2 e 4 de setembro do referido ano, na Universidade de Dundee, no Reino Unido.
Meu pressuposto inicial é que o estudo da imagem é fundamental para a compreensão das narrativas. Entender como os diversos elementos de uma determinada narrativa interagem é uma atividade que pode ter duas perspectivas: uma dinâmica, estrutural e, ao mesmo tempo, focada na sequência de acontecimentos; e outra estática, voltada para o aprofundamento da compreensão acerca da interação entre esses elementos em uma determinada situação, ocorrida dentro ou projetada fora da narrativa. A oposição entre personagens pode nunca ocorrer dentro do texto, mas isso não impede que construamos um quadro mental no qual aquela oposição seja revelada. Assim, quando comparamos diferentes obras, estamos criando uma imagem que envolve personagens e todas as circunstâncias que as cercam e pondo-nos diante dessa imagem, para descrevê-la e compreendê-la melhor. Particularmente, trabalho com o conceito de imagem mítica Carl Schmitt, um jurista alemão um pouco polêmico.
Mito seria, segundo Schmitt, e com base em Wilamowitz-Moellendorf e Georges Sorel, “um pedaço da lenda heroica, não somente a fonte literária do poeta, mas um conhecimento vivo comum, que abraça poeta e audiência, um pedaço da realidade histórica na qual todos os participantes são reunidos por sua existência histórica” (em seu Hamlet ou Hécuba) e também o que contém, em seu poder, a “capacidade de agir e a capacidade de heroísmo, bem como a capacidade de desempenhar qualquer atividade de impacto histórico mundial”. Schmitt diz que “[S]omente no mito é possível encontrar o critério para decidir se uma nação ou um grupo social tem uma missão histórica e atingiu seu momento histórico”, diz ele, atribuindo à “intuição direta” da massa entusiasta o poder de criar uma imagem mítica, “que empurra sua energia para a frente e lhe dá força para o martírio, bem como coragem para usar a força.” (em seu A Crise da Democracia Parlamentar)
Como Willamowitz-Moellendorf e Carl Schmitt expandiram o uso dessa forma de pensar o mito para a tragédia ática e para o teatro shakespeariano, acredito que possa fazer o mesmo para tratar ao menos algumas obras de Stoker. Existem diversos tratamentos das mesmas (especificamente deDracula) que assumem esse “caráter mítico” do texto (posso citar imediatamente os trabalhos de Auerbach, Glover e Lecercle). Eu não trabalho o mito como um elemento constante da imaginação do homem dotado de uma substância própria, um arquétipo, por exemplo (apesar de não negá-lo como conceito útil e verossímil para a compreensão e significação da realidade), mas como uma narrativa (afinal, é aquilo a que mythos em grego se refere) que, abarcando poeta e audiência e fundada em imagens, revela a percepção de um determinado grupo social sobre sua história (de uma forma nada homogênea, importante afirmar). É a partir desse conceito de mito, que pode envolver em sua composição elementos bastante arcaicos, mas que não necessariamente os envolve, um mito que é uma estrutura argumentativa comum na sociedade humana, que procuro reconstruir modos de percepção e elaboração de fenômenos e manifestações políticos e jurídicos.
Stoker, oriundo de uma família protestante da classe média irlandesa, simpático a home rule nos moldes gladstoneanos, vivia em uma sociedade que, afirma David Cannadine, era profundamente marcada pela percepção da existência de uma hierarquia. Como afirmava Gladstone, em 1865:
You know that society is […] like a well-built, well-ordered fabric, with many stones and timbers, many doors, many windows, many parts and portions of the structure, all and each having their separate offices […] The interest of every class is to have justice done to every other class; and, gentlemen, that is the test to which I am sure you are disposed, and to which I hope you will always determine, to bring the deeds of the public men of this country. (aqui, p. 35)
Apesar de estudarmos com frequência a Revolução Gloriosa de 1688 como uma revolução burguesa, o Parlamento Britânico tem até hoje cadeiras reservadas a membros do clero e da nobreza (na House of Lords) e só em 1918 que todos os homens maiores de idade tiveram o direito de voto reconhecido. Apesar de os autores de origem britânica (incluindo os do Iluminismo Escocês) terem sido considerados pelos philosophes franceses uma inspiração para seus pleitos que, entenderam muitos, levaram à Revolução Francesa, o Reino Unido foi definido pela oposição que fez ao caráter extremado que, como entendiam alguns dos mais insignes representantes do pensamento britânico à época, assumiu a Revolução.
Ou seja, entendemos o Reino Unido como um país democrático, mas temos que analisar suas circunstâncias específicas, que envolviam a manutenção de uma percepção social da normalidade e da validade da hierarquia. É claro, essa percepção não era nem homogênea, nem única na sociedade. É sobre isso que se debruça a primeira parte de meu trabalho. Stoker, entendo, tinha uma percepção mais parecida com a de William Ewart Gladstone, primeiro-ministro britânico que suportava a ideia de uma sociedade de classes desde que a mesma não pendesse mais para as classes do que para a sociedade por assim dizer. Há uma mudança perceptível no pensamento de Gladstone entre 1865, e quando em 1886 afirma:
[…] Are the classes ever right when they differ from the nation? (‘No’) Well, wait a moment. I draw this distinction. I am not about to assert that the masses of the people, who do not and cannot give their leisure to politics are necessarily, on all subjects, better judges than the leisured men and the instructed men who have great advantages for forming political judgements that the others have not; but this I will venture to say, that upon one great class of subjects, the largest and the most weighty of them all, where the leading and determining considerations that ought to lead to a conclusion are truth, justice, and humanity, there, gentlemen, all the world over, I will back the masses against the classes. (aqui, p. 349)
Essa mudança não implica, no entanto, o fim de seu apoio a um status quo, mas sim a crença na possibilidade de sua reforma e melhoramento.
Tanto assim o é que, excepcionado alguns contos e trechos de seus romances, a maior parte dos heróis e heroínas de Stoker ocupam o espaço social que vai da classe-média em ascensão (ainda que, inicialmente, não alta – apesar do frequente uso do tropo da herança do “tio rico desconhecido”) a uma nobreza que não se vê como absolutamente distinta destas classes burguesas (um traço marcante da nobreza inglesa, como apontou Tocqueville). Digo espaço social porque, ainda que virtual, uma vez que essas identidades não são geográficas, ele é um espaço, porque essas identidades se projetam em circunstâncias geográficas e culturais específicas. A questão do espaço é muito interessante e fundamental para pensarmos a obra de Stoker, tão marcada pelos seus grandes vilões, e podemos falar aqui do Egito Antigo, do antigo reino da Mércia ou da Transilvânia, porque, afinal, tratando-se de um vilão que é reconhecidamente da alta nobreza (como os vilões sobrenaturais do Stoker o são), a terra que lhe dá o título é importante.
Vamos trabalhar novamente com Dracula aqui, não só por ser a obra mais famosa do autor, mas também porque podemos estabelecer uma relação com aquilo acerca do que estávamos falando antes. Como nos comprovam as notas do autor, a terra original do Conde era a Estíria (Stoker, aparentemente, começou a escrever “Alemanha”, também um dos grandes palcos do romance gótico, a partir de sua segunda fase, como nos mostra o mapa ao abaixo, mas rapidamente mudou de ideia), uma região da Áustria com uma associação literária pré-existente à figura do vampiro (que é, aliás, um produto literário bastante germânico – o próprio Stoker cita, em Dracula, o poema Lenore, de Burger, que era bastante popular na Inglaterra e que foi um dos primeiros produtos literários a ter uma temática vampiresca, tendo uma grande progênie, muitas obras tendo também sido influentes em Dracula, inclusive Carmilla). Carmilla (que muitos afirmam ter sido influenciada por Christabel, de Coleridge, que tantos outros dizem ter sido influenciado por Lenore), por exemplo, se passa na Estíria, cuja capital é Graz. De forma não desconexa, Graz é a cidade que concede o título à Condessa Dolingen, que aparece na história Dracula’s Guest, publicada postumamente por Florence Stoker.
Então, Drácula era, sem dúvida, um conde do Império Austro-Húngaro. Na Estíria ou na Transilvânia, ele ainda estaria dentro dos domínios do Império. Budapeste marca, para Jonathan Harker, a transição do Oeste para o Leste, mas Carmilla também começa afirmando o caráter primitivo da sociedade e da natureza da Estíria:
In Styria, we, though by no means magnificent people, inhabit a castle, or schloss. A small income, in that part of the world, goes a great way. Eight or nine hundred a year does wonders. Scantily enough ours would have answered among wealthy people at home. My father is English, and I bear an English name, although I never saw England. But here, in this lonely and primitive place, where everything is so marvelously cheap, I really don’t see how ever so much more money would at all materially add to our comforts, or even luxuries.
A partir dessa informação, creio que podemos falar em uma orientalidade, uma barbárie, mais propriamente, se não germânica, ao menos do Império Austro-Húngaro. Não podemos esquecer que, menos de 20 anos depois do lançamento de Dracula, os ingleses estavam chamando os alemães de hunos, povo de cujo mais famoso líder, Átila, o Conde se orgulha de descender (e 20 anos antes a literatura de invasão já colocava “os franceses, os alemães, os russos [e, no fim, também os marcianos de Wells]”, como disse Moretti (2003, p. 147), como uma ameaça a Pax Britannica).
Dito isso, o que me interessa é pensar como Stoker indica, em suas obras, ver em uma determinada espécie de nobreza, a alta nobreza ou a nobreza que se põe como absolutamente distinta das outras classes sociais (e aqui falamos de Drácula, mas também da Rainha Tera, dos Caswall e de Lady Arabella), ver nessa nobreza uma sobrenaturalidade, uma alteridade (étnica e moral) e uma maldade que deve ser combatida.
Ele constrói essa identidade nobiliárquica recorrendo a alguns expedientes. Um deles é essa construção da localidade com referencial político (nobres maus são do leste indeterminado) ou um referencial propriamente geográfico (na forma como ele descreve a natureza – dentro de uma determinada tradição, na qual um determinado tipo de floresta é a casa do antagonista; e aqui podemos pensar nos antagonistas de The Lair of the White Worm, fazendo reflexões sobre a relação dessa narrativa com o Folk Horror e mesmo com o romance medieval). Outros dois que me interessam são a citação a autores específicos e a utilização de palavras específicas. Apenas introduzirei as bases sobre as quais penso esses expedientes.
É interessante pensarmos o quanto a obra de Stoker pertence à tradição do romance gótico, a ponto de ser impossível dizermos se essas opiniões políticas que conhecemos dele foram as responsáveis pelo que lemos no romance ou se ele só estava replicando modelos. Tudo indica, no entanto, que essa conformação à tradição gótica, dando a Drácula o título de Conde etc, ressoava com a própria opinião que o autor tinha sobre uma determinada postura de uma determinada parte da nobreza. Isso se revela de forma mais clara nos prefácio às edições sueca (cuja serialização em jornal se iniciou em 1899) e islandesa (serialização a partir de 1900) de Dracula, que é de 1897, conhecidas respectivamente como Mörkrets makter e Makt Myrkranna: Poderes das Trevas.
This series of – as it seemed – completely unexplainable crimes, all pointing to the same origin, that in their time troubled the public as much as the so infamous Whitechapel murders happening somewhat later, should not be completely forgotten yet; some people may also remember the two interesting strangers who, for a couple of seasons, played a glamorous role in the high society and of whom at least one all of a sudden and in a hitherto unexplained way disappeared, without leaving any trace behind.
(Mörkrets makter – ROOS, 2018, p. 9)
Some will still recall the remarkable foreigners who for many seasons on end played a dazzling role in the life of the aristocratic circles here in London, and people will probably remember that at least one of them suddenly disappeared inexplicably, and that no trace of him was ever seen again.
(Makt Myrkranna – ibid., p. 8)
Nessas introduções, um autor se identificando como B.S., escrevendo de Londres, insere o Conde em uma espécie de conspiração composta por diversos nobres associados de forma vaga a movimentos tanto reacionários quanto protofascistas. Não se sabe quanto input sem prévia anuência de Stoker há dos tradutores e editores no texto (parece ser muita), mas, pelas mãos de Roos e Berghorn, podemos ver diversas novas situações que correspondem tanto à cultura para a qual o texto estava sendo traduzido, quanto às convicções políticas de seus tradutores. Como Roos coloca em suas análises dos textos, a relação de alguns aspectos dessa obra com algumas das primeiras notas que Stoker fez para seu romance mostram que o autor britânico pode ter tido alguma espécie de contato com o texto (por todos, ROOS, 2018, p. 2, ROOS, 2017 e ROOS, 2018(b)).
Importa só falar que Stoker, ao juntar esses elementos em suas notas, possibilitou a construção de diversas imagens de Drácula, que poderiam assumir tanto a forma do Conde, uma figura meramente herdeira do romance gótico, como Dacre Stoker afirmou, ou ainda um proto-Hitler. É aqui que a barbárie entra, com a sua dubiedade.
Desde o Iluminismo se constrói uma narrativa acerca dos estágios evolutivos da história socioeconômica do homem, que se funda em três imagens pré-desenvolvidas: a do selvagem, a do bárbaro e a do homem civilizado burguês. É o bárbaro que nos interessa.
Koselleck, Moser, Foucault e Pocock exploram o desenvolvimento dessa imagem nas obras filosóficas associadas ao Iluminismo e na economia política clássica britânica, que ao mesmo tempo avançada em relação ao selvagem, no tanto em que já desenvolvera certa noção de propriedade privada, e inferior ao homem civilizado, no tanto em que, ao menos em parte, fundava esta propriedade na tomada violenta. O homem civilizado, por sua vez, recorrendo ao artifício monetário, operava as trocas de bens, naturais, sem entrar em conflito cruento, permitindo que a natureza humana fluísse adequadamente. Ou seja, a violência (e a dominação que dela surgia) eram consideradas antinaturais, em última instância.
Vejamos algumas opiniões de autores dos séculos XVIII e XIX sobre o tema:
“Among the northern nations which broke into Europe in the beginning of the 5th century, society was a step farther advanced than amongst the Americans at this day. They are still in the state of hunters, the most rude and barbarous of any, whereas the others were arrived at the state of shepherds, and had even some little agriculture. The step betwixt these two is of all others the greatest in the progression of society, for by it the notion of property is extended beyond possession, to which it is in the former state confined.” (Adam Smith, Lectures on Jurisprudence)
“The kings of France maintained the privileges of their Roman subjects; but the ferocious Saxons trampled on the laws of Rome and the emperors. The proceedings of civil and criminal jurisdiction, the titles of honour, the forms of office, the ranks of society, and even the domestic rights of marriage, testament, and inheritance, were finally suppressed; and the indiscriminate crowd of noble and plebeian slaves was governed by the traditionary customs which had been coarsely framed for the shepherds and pirates of Germany. […]
In the preceding volumes of this History, I have described the triumph of barbarism and religion […] Our fancy may create, or adopt, a pleasing romance, that the Goths and Vandals sallied from Scandinavia, ardent to avenge the flight of Odin, to break the chains, and to chastise the oppressors, of mankind; that they wished to burn the records of classic literature, and to found their national architecture on the broken members of the Tuscan and Corinthian orders. But in simple truth, the northern conquerors were neither sufficiently savage, nor sufficiently refined, to entertain such aspiring ideas of destruction and revenge.” (Edward Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire)
“[Of the rude nations,] some intrust their subsistence chiefly to hunting, fishing, or the natural produce of the soil. They have little attention to property, and scarcely any beginnings of subordination or government. Others having possessed themselves of herds, and depending for their provision on pasture, know what it is to be poor and rich. They know the relations of patron and client, of servant and master, and suffer themselves to be classed according to their measures of wealth. This distinction must create a material difference of character, and may furnish two separate heads, under which to consider the history of mankind in their rudest state; that of the savage, who is not yet acquainted with property; and that of the barbarian, to whom it is, although not ascertained by laws, a principle object of care and desire. […] They join the desire of spoil with the love of glory; and from an opinion, that what is acquired by force, justly pertains to the victor, they become hunters of men, and bring every contest to the decision of the sword. Every nation is a band of robbers, who prey without restraint, or remorse, on their neighbours. Cattle, says Achilles, may be seized in every field […].” (Adam Ferguson, Essay on the History of Civil Society)
Walter Scott sobre o conteúdo do romance gótico: “feudal tyranny and Catholic superstition” (The Lives of the Novelists).
No Reino Unido, por sua vez, esse barbarismo ancestral era pensado também como uma fonte da liberdade de sua gothic constitution, que foi utilizada por todos os grupos políticos que se envolveram nas intempéries políticas do século XVII. Podemos pensar, em contraste, a forma como a Revolução Francesa foi pensada, como superação do legado bárbaro franco, cujo domínio sobre os gauleses era utilizado como fundamento dos privilégios nobiliárquicos no antigo regime por autores como Boulainvilliers.
Tentar resumir isso de forma simples é impossível, porque não são oposições claras, mas discursos que recorrem muitas vezes a imagens semelhantes com objetivos diversos, não necessariamente contraditórios. Contudo, poderíamos dizer que, se a imagem do bárbaro na França era associada ao Antigo Regime e à nobreza (de espada) e, portanto, prestava-se ao papel do outro inumano mais adequadamente, no Reino Unido a questão era mais complexa.
Se isso explica até a razão pela qual as imagens do romance gótico tradicional, com vilões da alta aristocracia (e nativos de países católicos, quando não membros da própria Igreja), tornam-se tão usuais e repetidas, explica também, por exemplo, porque palavras como berserker não tem uma polaridade única, negativa ou positiva na obra de Stoker. Vou finalizar meu texto exemplificando uma parte de meu método, afinal, uma imagem literária é composta através de palavras, principalmente.
Stoker utiliza algumas vezes essa palavra, berserker, em sua obra, e, em dois dos livros estudados, ele usa o termo, para se referir tanto ao comportamento de Edgar Caswall, quanto à ascendência de Drácula. Essa utilização, sabemos, em Dracula pode advir do fato de ele ter usado a obra de Sabine Baring-Gould, O Livro dos Lobisomens, como referência, obra que traz em seu bojo diversos relatos de sagas islandesas tratando dos berserkers, cuja recuperação fez parte de um viking revival maior no curso do século XIX britânico. Isso, é claro, é uma influência que conhecemos.
“She was getting more inspired by the sound and elemental fury around her. There was in her blood, as in the blood of all the hardy children of the northern seas, some strain of those sturdy Berserkers who knew no fear, and rode the very tempest on its wings with supreme bravery. Such natures rise with the occasion, and now, when the call had come, Maggie’s brave nature answered it.” (The Watter’s Mou’)
“We Szekelys have a right to be proud, for in our veins flows the blood of many brave races who fought as the lion fights, for lordship. Here, in the whirlpool of European races, the Ugric tribe bore down from Iceland the fighting spirit which Thor and Wodin gave them, which their Berserkers displayed to such fell intent on the seaboards of Europe, aye, and of Asia and Africa too, till the peoples thought that the werewolves themselves had come. Here, too, when they came, they found the Huns, whose warlike fury had swept the earth like a living flame, till the dying peoples held that in their veins ran the blood of those old witches, who, expelled from Scythia had mated with the devils in the desert. Fools, fools! What devil or what witch was ever so great as Attila, whose blood is in these veins?” (Dracula)
“Such was the state of affairs when the Gospodar Rupert threw himself into the pursuit with fiery zeal and the Berserk passion which he inherited from Viking ancestors, whence of old came ‘The Sword of Freedom’ himself.” (The Lady of the Shroud)
“By now Mr. Caswall’s face had lost its appearance of passivity. His eyes glowed with a fiery light. He was still the old Roman in inflexibility of purpose; but grafted on to the Roman was a new Berserker fury.” (The Lair of the White Worm)
No entanto, há um nordicismo maior em Stoker. Ao mesmo tempo que ele usa a palavra berserker para os vilões, ele a utiliza para se referir a Rupert em The Lady of the Shroud e aos ancestrais de Maggie em The Watter’s Mou’. Caberia fazer uma recuperação do uso desse termo, que, sabemos, foi utilizado pela primeira vez na literatura britânica no romance The Pirate, de Walter Scott, bem como mostrar suas conexões com termos relacionados (como, por exemplo, moral viking, que é usado para se referir a Quincey Morris) e com seu significado original, dentro e fora da literatura.
Não se trata, enfim, de sabermos se Stoker pensou a nobreza como protofascista ou não, mas sim vermos o que está escrito na obra, como ele pensou os problemas de sua sociedade e os desenvolveu a partir de tradições literárias e político-jurídicas propriamente britânicas. Vendo o quão comuns esses problemas eram na Europa, a ponto de uma obra gerar interpretações distintas (e em épocas distintas) como o Mörkrets makter, o Makt Myrkranna e até mesmo o Nosferatu (que se contrapõem a interpretações que tendem a romantizar Drácula), podemos tentar entender porque Stoker não seguiu esse caminho a partir da abertura conceitual de suas palavras e, consequentemente, da história científica, institucional e política que essa abertura carrega. Entender porque Stoker não viu esse caminho que sua obra podia ter seguido ou porque ele optou por não o seguir é possivelmente contribuir para o entendimento de como, apesar de Oswald Mosley, o Reino Unido não teve um movimento fascista forte. Não adianta simplesmente pensarmos que as imagens eram todas cooptadas pelos partidos políticos dos autores que as criaram, numa leitura da relação entre Direito, literatura e política acrítica. É possível imaginar imagens que ganhem a forma final delas a partir de um dado direcionamento político, mas a maior parte das imagens, gestadas e nunca plenamente formadas, continuam disponíveis para apropriações que nunca são totais. O medievalismo na época da Rainha Vitória, por exemplo, se serviu muitas vezes ao interesse do Partido Conservador, sendo parte, por exemplo, da constelação imagética que circundava as práticas e títulos da Primrose League, nunca pode ser absolutamente associado ao Partido: temos variáveis dele contemporâneas que, apesar de existirem em uma cadeia contínua com o medievalismo do século XIX, o alteram (basta que pensemos, por exemplo, na sutil reinterpretação dada por David Lowery no recente filme The Green Knight, com a escalação – perfeita, por sinal – de Dev Patel para o papel de Gawain; uma mudança sutil em uma cadeia de interpretações desse poema, que passa por Tolkien, um autor abertamente conservador, e Jesse Weston, e que se relaciona, enfim, ao retorno a Camelot no período vitoriano).
Ressalto que optei por jogar uma luz nas circunstâncias e depois abordar o texto. Poderia ter feito ao contrário, a partir do texto, chegar às circunstâncias. Escolhi, no entanto, a primeira abordagem porque Stoker é um autor que trabalha com topoi muito comuns em toda a sua obra, mas que, apesar disso, dependem de uma contextualização geral. O objetivo maior é analisar essas imagens, essas personagens e suas histórias não contadas, a partir da língua, dos detalhes, dos autores citados, e chegar então em um mapa do pensamento de Stoker sobre a sociedade de classes que, impossível de ser completo, possa nos auxiliar tanto a pensar a obra dele como os dilemas que a sua sociedade enfrentava (e que são também dilemas nossos – como Foucault, autor importante para outro aspecto de minha reflexão diria, nós não estamos tão distantes dos vitorianos).
BIBLIOGRAFIA:
BERGHORN, Rickard. Dracula’s Way to Sweden: a Unique Version of Stoker’s Novel. Weird Webzine: Fantasy & Surreality, 2017. Disponível em: https://www.kontrastmagasin.com/draculitz.html. Acessado em 14/02/2022.
MORETTI, Franco. Atlas do Romance Europeu 1800 – 1900. São Paulo: Boitempo, 2003.
ROOS, Hans Corneel de. The Origin of the First Dracula Adaptation. Bulletin of the Transilvania University of Braşov, Series IV: Philology and Cultural Studies, v. 10, nº 1, p. 131 – 146, setembro, 2017. Disponível em: https://www.diacronia.ro/en/indexing/details/A27309/pdf. Acessado em 14/02/2022.
___________________. Was the Preface to the Swedish Dracula Version Written by a Priest? Bernhard Wadström and the “White Lady”. Vamped, 2018. Disponível em: https://vamped.org/wp-content/uploads/2018/05/HansDeRoos-WadstroemCase-v17-25May2018-for-W-D-Day-1.pdf. Acessado em 14/02/2022.
___________________. Was Anders Albert Andersson-Edenberg the First Author to Modify Dracula?. Vamped, 2018(b). Disponível em: https://vamped.org/wp-content/uploads/2018/03/Was-A-e-the-first-author-to-modify-Dracula-v3.pdf. Acessado em 14/02/2022.