Pragmatismos
  • Home
  • Blog
  • Eventos
    • II Seminário Internacional Direito, Política e Literatura: fronteiras do humano, fronteiras da democracia
    • I Jornada de Estudos do Grupo Direito, Pragmatismos e Filosofia
    • I Seminário Internacional – O Trabalho das Linhas
  • Agenda
  • Publicações
    • Artigos
    • Livros
    • Teses e Dissertações
  • Arquivo
  • Podcast
  • Quem Somos
  • Contato
1 de fevereiro de 2021 por pragmatismos UERJ

O Poder Disciplinar como meio para o Bom Adestramento e como meio para o Poder sobre a Vida

O Poder Disciplinar como meio para o Bom Adestramento e como meio para o Poder sobre a Vida
1 de fevereiro de 2021 por pragmatismos UERJ
Por: Helena Marques 

O filósofo Michael Foucault, em meio de tantas obras, escreveu dois textos que conversam entre si: Capítulo V- O Direito da Morte e o Poder sobre a Vida, da História da Sexualidade e o Capítulo II – Recursos para o Bom Adestramento do livro Vigiar e Punir.

 No capítulo II de Vigiar e Punir, Foucault afirma, ao citar Walhausen, que o bom adestramento tem como arte a correta disciplina e, a partir dessa arte, analisa os instrumentos com que ela é imposta sobre os indivíduos.

 Para o poder disciplinar separar, analisar e diferenciar para no fim fabricar e adestrar os indivíduos, ele dispõe de três instrumentos: a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame.

 A vigilância hierárquica garante ao poder disciplinar o adestramento do indivíduo através de um jogo de olhares e técnicas coercitivas que induzam os indivíduos a agirem de determinada maneira. Tal instrumento é conectado diretamente à disposição do local em que se pretende alocar o adestramento dos indivíduos.

 Um local para perfeita utilização da vigilância hierárquica e do bom adestramento seria o acampamento militar, pois nele se molda e constrói o indivíduo segundo a arquitetura do local submetida à hierarquia militar. Também seria um local ideal as escolas jesuítas construídas pela Companhia de Jesus, Ordem dos Jesuítas, onde o prédio é disposto na forma de um quadrado com um vácuo no meio, imitando os centros de detenção e prisão, de onde os alunos podem ser observados e adestrados pelo olhar dos inspetores, professores e diretores. Vale destacar que possuem tais arquiteturas a Pontifícia Universidade Católica do Chile e o Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro.

 As instituições disciplinares, para serem perfeitas, devem tudo capturar com um único olhar, de maneira permanente e a que nada escape. O adestramento por meio da vigilância hierárquica, assim como por meios dos outros instrumentos, deve ser feito de maneira discreta e anônima para disciplinar os indivíduos a ele submetido.

 A sanção normalizadora, outro instrumento do poder disciplinar, é influenciado pelos sistemas penais e preenche o vazio deixado pelos ordenamentos jurídicos devido a baixa importância das infrações cometidas pelos indivíduos. Ou seja, a sanção normalizadora se aproveita das frações mais tênues da conduta para “punir” o indivíduo, ela preenche os vazios dos ordenamentos jurídicos com “normas” que, caso violadas, não geram uma punição física característica do sistema penal, mas uma correção do erro cometido.

 Tal correção do erro se dá por meio do aprendizado intensificado e repetitivo como, por exemplo, ocorre nos filmes americanos onde, caso o aluno não esteja tendo um comportamento dentro das “normas” da sua instituição de ensino, o professor o obriga a escrever uma frase no quadro várias vezes até preenchê-lo por inteiro, visando o seu aprendizado para que não haja reincidência. Para Foucault, castigar é exercitar o erro até que o deixe de ser.

 Entretanto, além da correção, ainda visando adestrar os indivíduos, a punição disciplinar se aproveita também do sistema de gratificação e sanção. Esse sistema de gratificação e sanção permite gratificar os bons, aqueles que seguem as normas, e penalizar os ruins, que desobedecem a essas normas. No fim, esse sistema permite que os indivíduos sejam qualificados segundo seus comportamentos e desempenho, marcando os desvios e hierarquizando as qualidades.

 Porém, mais do que impor uma repressão como o sistema penal, a sanção disciplinar visa normalizar os indivíduos, como o próprio nome “sanção normalizadora” diz. A sanção disciplinar diferencia os indivíduos e os coloca em uma hierarquia com a intenção de criar um indivíduo que possa se encaixar como “normal”, segundo os seus próprios parâmetros.

 A sanção normalizadora, então, leva a uma homogeneidade dos indivíduos devido à busca de uma sociedade normal. Esse objetivo é atingido por meio da individualização que, através das individualidades de cada um, pode medir os desvios e ajustá-los para se alcançar o que se entende por normal.

 Por último, ainda como um instrumento do poder disciplinar, há o exame que é o procedimento proveniente de uma combinação entre a vigilância hierárquica e a sanção normalizadora, caracterizando-se, sobretudo, como uma técnica.

 Na escola, por exemplo, ele se manifesta através das provas escolares e, no hospital, manifesta-se através da inspeção quase constante do enfermo pelos médicos e enfermeiros. Entretanto, o exame não se contenta em apenas avaliar um aprendizado: ele permite que ao mesmo tempo que se avalia o conhecimento do indivíduo, crie-se outro conhecimento sobre as individualidades de cada um por aquele que está avaliando.

 Além disso, o exame exerce uma forma de exercício de poder de três modos: a inversão da visibilidade quando realizado o exercício de poder, a individualidade como um campo de documentário e, como consequência da referida individualidade documentada, a conversão do indivíduo em um caso.

 O poder disciplinar, ao contrário do poder em sentido estrito que se manifesta através da força, manifesta-se de maneira invisível, sem que os seus objetos de dominação percebam a sua coerção. O exame é a técnica utilizada pelo poder disciplinar para capturar seus objetos, sem emitir sinais de força. Ele organiza esses objetos de modo que o poder seja visto por eles, mas não percebido, como por exemplo com a revista que o rei faz em seus soldados. Nessa situação o rei está se mostrando para os súditos de forma visível, mas está sendo visto como superior pelos soldados pelo poder invisível que emana dele. Isso seria a inversão da invisibilidade no poder do exercício.

 Já a questão da individualidade documentada se refere ao fato de que, ao aplicar a técnica do exame, gera-se anotações sobre o indivíduo quando submetido a ele. Tais escritos gerados podem ser utilizados com o objetivo de constituir o indivíduo como um objeto analisável ou para constituir um sistema comparativo entre os indivíduos, formando dados coletivos e estimativas sobre os desvios deles.

 Devido a essa documentação do indivíduo pode-se, também, formar um caso, ou seja, o indivíduo pode ser escrito em sua própria individualidade e comparado com os outros. Essa especificação sobre a individualidade é mais comum ser feita em relação as crianças ou os doentes e até mesmo em relação ao louco, por serem os mais frágeis da sociedade e divergirem do que seria considerado o normal.

 Por meio da vigilância hierárquica, da sanção normalizadora e o exame, o poder disciplinar permite o bom adestramento do indivíduo e a sua sujeição ao poder invisível. Já no capítulo V do livro História da Sexualidade I, de nome “Direito de Morte e Poder sobre a Vida”, Foucault dispõe sobre o desenvolvimento do poder sobre a vida.

 Para Foucault, existe um poder capaz de causar a vida e capaz de devolver o indivíduo à morte, que de desenvolveu ao longo dos anos de duas formas interligadas. A primeira forma de desenvolvimento focou no corpo humano como uma máquina, buscando o seu adestramento, que é fornecido pelo poder disciplinar para adequação a certos sistemas ou objetivos. Já a segunda forma centrou-se no corpo humano como ser vivo submisso à processos biológicos, podendo, então, se proliferar, ter variantes de longevidade e nível de saúde. Tais processos biológicos podem ser submissos a intervenções e controles reguladores, estabelecendo-se uma bio-política da população.

 A maior forma de controle da população, quanto à seus processos biológicos, seria a sexualidade, pois, através dela, pode-se criar a vida e estabelecer relações pessoais entre os indivíduos. A sexualidade, então, seria o acesso à vida e o corpo, exercendo assim o controle sobre a sociedade, mas, antes dele havia outra forma: o sangue.

 O simbolismo que o sangue exercia, até o século XIX, delimitava toda a vida do indivíduo em sua existência. O sangue determinava a sua posição na sociedade, onde deveria estar e qual lugar em certo edifício e, principalmente, delimitava como o indivíduo viveria sua vida.

 A sexualidade, da mesma forma que o sangue, gera procedimentos reguladores da sociedade e que foi feita através de duas linhas de ataque ao longo dos anos. Primeiro, a partir de uma visão reguladora, apresentou a sexualidade infantil como um risco à sociedade e também a histeria das mulheres como forma de conter seus corpos no papel de máquinas de criação de filhos e manutenção da família. Já na segunda linha, não mais de natureza reguladora, a sexualidade buscou o controle de natalidade e o tratamento psiquiátrico das perversões.

 Dessa forma, o poder disciplinar, tema base do livro Vigiar e Punir de Foucault, converge com o poder sobre a vida, pois, através desse bom adestramento, o indivíduo se torna dócil e útil, submetendo-se a sistemas políticos e econômicos.

 O capitalismo é o maior exemplo de poder exercido sobre a vida, aproveitando-se da técnica do poder disciplinar para cooptar pessoas a um sistema econômico. Esse sistema capitalista deve a sua implementação efetiva à inserção dos indivíduos na mentalidade chave desse sistema e ao uso deles como equipamento de produção, ambos alcançados pelo poder disciplinar. Assim, o estabelecimento de um normal pelo poder disciplinar, que no caso é o capitalismo, determina como os indivíduos se desenvolvem ao longo do seu crescimento, cerrando algo que deveria ser realizado e feito por eles, sempre a fim de se encaixarem na sociedade. Por meio desse normal, o poder disciplinar exerce um poder sobre a vida.

 Ainda, também para a sexualidade, o poder disciplinar serviu para implementar a sua segunda linha de ataque, onde controlou a natalidade e o tratamento psiquiátrico das perversões. O poder disciplinar foi chave de implementação do controle da natalidade, pois, através dele, inseriu na sociedade o que seria o normal por meio da vigilância hierárquica, da sanção normalizada e o exame, que incitam o indivíduo a seguir dentro de um parâmetro estabelecido pelo poder.

 Já para os tratamentos psiquiátricos, foi necessária a utilização do poder disciplinar no que tange o exame e a individualidade documentada. Através dessa documentação gerada pelo exame da individualidade pessoal de cada um, pode-se formar um “caso” e, aqueles que divergiram do normal, foram submetidos à psiquiatria.
Visualizações: 2.252
Artigo anteriorResenha de “A violação do direito à saúde para mulheres encarceradas”Próximo artigo Foucault e a Instituição Prisão

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

7 + 18 =

COMPARTILHAR

Facebook
fb-share-icon
Twitter
Tweet
LinkedIn
Share

Posts relacionados

Macunaíma: o Brasil como Pindorama11 de novembro de 2022
Dostoiévski e o império6 de junho de 2022
AOS CALUNIADORES DA RÚSSIA19 de abril de 2022
Prefácio para o Livro “O Making da Metrópole”14 de dezembro de 2021
O crítico e o caçador: uma análise dos Capítulos II, III e IV obra Manhunts, de Grégoire Chamayou – Parte II25 de outubro de 2021

Posts populares

Impasses sul-americanos: um diálogo entre lideranças indígenas e a universidade2 comments
Saídas Kafkianas: uma leitura sobre o conto “Um Relatório para a Academia”1 comments
Menção Honrosa na Cerimônia de Premiação da 33ª Uerj Sem Muros0 comments
Linguagem, pragmatismo e um antigo conceito0 comments
É hora de olhar novamente para os “black commons” e a propriedade coletiva?0 comments

Categorias

  • Destaque
  • Evento
  • Filmes
  • Filosofia
  • Livros
  • Músicas
  • Sem categoria
Grupo de pesquisa vinculado ao Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UERJ), através da linha Teoria e Filosofia do Direito.
FALE COM A GENTE pragmatismos@gmail.com

podcast Pragmatismos

Redes sociais

Links e parceiros

© 2021 Pragmatismos. Todos os direitos reservados.
Este site armazena dados como cookies para habilitar a funcionalidade necessária, incluindo análises, segmentação e personalização. Aviso sobre cookies.
Cookie SettingsACEITAR
Manage consent

Privacy Overview

This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary
Sempre ativado
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
CookieDuraçãoDescrição
cookielawinfo-checkbox-analytics11 monthsThis cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional11 monthsThe cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary11 monthsThis cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others11 monthsThis cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance11 monthsThis cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy11 monthsThe cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytics
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.
Others
Other uncategorized cookies are those that are being analyzed and have not been classified into a category as yet.
SALVAR E ACEITAR