Por: Deniz Pastor
1. INTRODUÇÃO A presente resenha é sobre o texto “A violação do direito à saúde para mulheres encarceradas”, fruto da monografia de conclusão de curso da agora bacharel em Direito, Giulia da Silva Soares. O foco da resenha é o capítulo 4 do texto, que fala especificamente sobre a ausência de atendimento médico especializado para mulheres encarceradas, bem como as origens e desdobramentos das prisões brasileiras e a escassez de cuidados médicos no interior das prisões femininas.
A autora também aborda a atuação das instituições em prol da alteração do quadro de abandono das mulheres encarceradas. Contudo, decidi dedicar uma atenção maior aos temas citados acima e não resenhar especificamente sobre o tema.
Estudar sobre a execução penal brasileira sempre foi de grande importância para mim devido a paixão que tenho pelo direito penal. Após ingressar como estagiário na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, mais especificamente na área de Execução Penal, a minha curiosidade pelo tema cresceu significativamente. Ter esse contato direto com as injustiças provocadas por parte do Estado e a sua falta de assistência para com os encarcerados aumenta minha sede de justiça e minha vontade de querer, de alguma forma, interferir nessa relação a favor do lado mais vulnerável e prejudicado dessa relação. Por esses e outros motivos que escolhi o presente tema.
2. A AUSÊNCIA DE ATENDIMENTO MÉDICO ESPECIALIZADO PARA MULHERES ENCARCERADAS
O primeiro tema abordado pela autora consiste na estrutura do complexo prisional feminino e seu funcionamento. A estrutura arquitetônica do complexo prisional é erguida sob parâmetros de controle e encarceramento:
“Os prédios e estabelecimentos são pensados para que os sujeitos que ali circulam estejam sendo o tempo todo vigiados – ora por um indivíduo conhecido aos olhos humanos, ora por um corpo volátil e invisível como o vento (denotado pela constante sensação de ser observado)”.
É a estrutura que recebeu o nome de Panóptico de Bentham, que Focault aborda em seu livro Vigiar e Punir. A ideia gira em torno de um edifício em forma de anel, onde há uma torre no meio que vigia qualquer movimento que os detentos fazem em suas pequenas celas. A luz solar ajudaria nessa vigilância, pois cada movimento expressivo faria um reflexo de sombra que era possível ser identificado pelo vigilante em cima da torre. Os detentos não tinham a visão de quando estavam de fatos sendo vigiados ou não, e isso colaborava para a sensação de vigilância constante, até mesmo quando de fato não estivessem sendo vigiados: “A relação que se estabelece é a de dominador-dominado, na qual um sujeito sempre estará submetido a outro, sob constante exercício de poder”. E isso se faz presenta na estrutura do complexo prisional brasileiro.
A sonhada finalidade de ressocialização do detento na pena privativa de liberdade já não mais se faz presente na sociedade, tendo em vista que está cada vez mais nítido o caráter retributivo da pena e a segregação dos chamados “indivíduos anormais” dos “indivíduos normais”, uma clara exclusão social, valendo ressaltar que: “no caso das mulheres presas, essa situação se agrava, pois a mulher que delinque se desloca do lugar destinado a ela pelo patriarcado – donzela, cuidadora, escravizada, mãe etc – para um lugar de completa repulsa: torna-se, então, a mãe descuidada, a filha ingrata, a esposa impura que é relegada ao abandono”.
A verdade é que o sistema penitenciário brasileiro se encontra em verdadeira escassez, como um espaço em que a saúde pública não chega, assim como saneamento básico e até os mínimos direitos fundamentais previstos na Carta Magna são desrespeitados diariamente. Não há espaço físico dentro das penitenciárias para que seja possível atendimento médico para mulheres presas, bem como não há acompanhamento ginecológico, que é fundamental para a saúde de qualquer mulher.
A falta de assistência é tamanha ao ponto de algumas mulheres acabarem passando por partos dentro da penitenciária, socorridas por outras detentas e com zero acompanhamento médico e psicológico.
Pense no trauma permanente que isso acaba ocasionando na vida de qualquer ser humano. Foi exatamente isso que ocorreu no caso de Bárbara Oliveira de Souza, que tomou repercussão nacional após ser negada em juízo a feitura de um exame de gravidez e determina sua ida para a solitária. Meses depois ela acabou parindo na solitária e sendo socorrida por outra detenta. Após o parto e sua “recuperação”, foi mandada novamente para a solitária e sua filha para o sistema de adoção: “A categoria de não-humano transforma-se aqui em verdadeira capa de invisibilidade, através da qual surtos de doenças tratáveis como tuberculose, sarna e transtorno de ansiedade são amplamente ignorados pela Administração Penitenciária”.
A autora também aborda o mal atendimento médico quando este, por incrível que pareça, chega a ser prestado: “quando o atendimento médico é fornecido, a esmagadora maioria é prestada de forma completamente amadora, por vezes causando prejuízo a condição da detenta enferma. São inúmeros os exemplos de mulheres que contraem ‘doenças de cadeia’ e têm sua condição agravada dia após dia”.
Outro tema importante que Giulia aborda é o tratamento dado às mulheres tachadas de “loucas”, aquelas que cumprem Medida de Segurança em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (também conhecidos como ‘manicômios judiciais’), as quais restam “apenas o isolamento total em suas celas estreitas ou o vago caminhar pelo pátio. Não servem mais sequer às funções atribuídas pelo patriarcado enquanto ‘sãs’, como os cuidados domésticos relacionados à limpeza”.
Ademais, a hiper medicalização se faz presente: “as instituições penais adquirem remédios com efeito calmante em larga escala, ou seja, pode-se supor que não há prescrições medicamentos apuradas”.
Importante frisar também que: “não existe equipe de saúde nas cadeias públicas. O atendimento, quando necessário, é realizado pelo serviço público da cidade onde está localiza a instituição. Alguns profissionais, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, ginecologistas, se tornam voluntários para oferecer gratuitamente seus serviços”.
3. CONCLUSÃO
No Brasil tem se tornado cada vez mais difícil e inalcançável a finalidade da pena restritiva de direito, que seria a ressocialização do indivíduo na sociedade. Na realidade, o preso entra de um jeito e sai duas vezes pior. Muitas vezes essa pena restritiva é aplicada quando outras medidas alternativas resolveriam o caso e evitariam a lotação nas penitenciárias.
A falta de saneamento básico e a dificuldade de se ter um atendimento médico colabora para o não alcance da finalidade da pena. Conviver, por meses ou anos, em um ambiente desumano e sem o mínimo de direitos essenciais não faz do individuo uma pessoa melhor e nem facilita sua ressocialização.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro vem trabalhando duro combatendo essas injustiças e tentado dar o mínimo de dignidade humana ao penitenciário. Contudo, a caminhada é longa e a luta se torna cada vez mais forte, necessitando cada vez mais de apoio.