Tradução parcial da aula em que o antropólogo Philippe Descola comenta o livro Terra Sem Mal: o profetismo tupi-guarani (1978), de Helène Clastres, propondo uma nova leitura sobre as grandes migrações tupis-guaranis. A aula foi ministrada no anfiteatro do Collège de France, no dia 16 de março de 2016, fazendo parte do curso Les usages de la terre. Cosmopolitiques de la territorialité (2015-2016), disponível aqui. Resumo do curso, pelo autor, disponível aqui.
(...) Vamos examinar agora um caso de desterritorialização. A América do Sul, de novo ela, oferece um caso exemplar. São as imensas migrações realizadas pelos índios tupis-guaranis na busca da Terra Sem Mal. Hélène Clastres dedicou, há alguns anos, um livro muito bom sobre o assunto, chamado Terra Sem Mal. Aqui [na imagem disponibilizada no curso] a localização tupi-guarani e as migrações.
O debate sobre a migração Tupi na América do Sul mobiliza os especialistas há mais ou menos 80 anos, então eu não vou entrar nos detalhes desse debate. Mas as populações que nos interessam são os tupinambás do litoral e os guaranis. Para o que nos é essencial, as migrações conhecidas para a Terra Sem Mal são as migrações em direção ao Oeste, às vezes em direção ao Norte, e em direção ao alto do Maranhão.
O que é a Terra sem Mal?
É um lugar privilegiado, indestrutível, onde os homens viram imortais. É uma terra de delícias cuja referência se perpetua com vivacidade entre os últimos sobreviventes dos tupis-guaranis. É uma crença muito antiga que foi, em outros tempos, comum a todos os tupis-guaranis do Brasil e do Paraguai. A originalidade da Terra Sem Mal vem do fato de que ela não é redutível a um simples discurso escatológico. Ou seja, um tipo de “Além” para onde as almas iriam após a morte. Ela tem uma localização geográfica precisa, quer dizer, ela teria supostamente uma localização geográfica precisa, era possível ir até ela. Então, ela era acessível aos vivos. E alcançá-la permitiria obter a imortalidade sem passar pela prova da morte. A Terra Sem Mal foi definida como um lugar onde os alimentos são produzidos espontaneamente e onde os humanos gozariam de uma juventude perpétua. E nesse lugar, onde os humanos tornam-se parecidos com as divindades, as obrigações da vida comum são abolidas, o trabalho desaparece, as flechas caçam por si mesmas, as plantas comestíveis crescem espontaneamente e as regras de casamento não são mais respeitadas. Essa busca efetiva da Terra Sem Mal, parece ter sido uma preocupação recorrente das tribos tupis desde antes da conquista do Novo Mundo. Essa busca foi estimulada por xamãs com estatutos muito peculiares, que muitos cronistas antigos descreveram como profetas. Eles se chamavam Karai e se deslocavam sem cessar de aldeia em aldeia para prometer a chegada da Terra Sem Mal, com discursos bastante longos e cheios de eloquência. E esses profetas se situavam deliberadamente fora do campo do parentesco comum e se reivindicavam herdeiros culturais dos grandes Tupis. Graças ao prestígio dessa ascendência reivindicada e graças aos seus talentos persuasivos, eles conduziam, às vezes, a população de várias aldeias em intermináveis migrações em direção a Terra Sem Mal. É preciso notar aqui que a migração Tupi em direção a Terra Sem Mal se distingue dos fenômenos messiânicos clássicos, já que ela não era, ao contrário do que às vezes foi sugerido, uma reação à pressão colonial, por exemplo: uma fuga diante das exigências dos colonizadores, dos europeus, ou um caso de desespero coletivo levando centenas de pessoas a fugir dos locais onde elas foram confinadas. A mais antiga migração conhecida historicamente aconteceu em 1539 e durou 10 anos. Ela mobilizou 12 mil pessoas, 12 mil tupis, que abandonaram as suas aldeias, num local que nunca foi localizado do litoral do Brasil, e da qual só 300 chegam ao Peru, na cidade de Chachapoyas, após uma imigração de vários milhares de quilômetros na floresta amazônica. A distância, tirando uma linha reta, equivale a cerca de 4.000 quilômetros, mas podemos imaginar que eles percorreram bem mais. Eu em limitei a traçar uma linha a partir dos lugares onde supostamente eles saíram, isto é, na zona sul da expansão tupinambá, é possível que eles tenham subido em direção ao norte, até a foz do Amazonas, que eles subiram o Amazonas, que eles passaram pelo Maranhão até o Chachapoyas [imagem abaixo disponibilizada no curso]. Não sabemos nada porque as únicas indicações são aquelas dos espanhóis de Chachapoyas, não sabemos de onde partiram.
Ora, nesse período, não podemos falar verdadeiramente de colonização no litoral do Brasil, já que só existem, em toda a região, duas capitanias, São Vicente ao sul e Pernambuco ao norte. Mas, na verdade, essas capitanias tinham uma existência apenas jurídica. De fato, tanto os franceses e os portugueses disputavam ferrenhamente alguns pontos do litoral brasileiro, para onde eles vinham, principalmente, pelo comércio de madeira do Brasil. E eram alguns poucos, enfim, antes da instalação das grandes sistemas da plantation na costa, diante de numerosos e belicosos indígenas, com os quais eles tentavam estabelecer relações de troca pacíficas. Como escreveu Hélène Clastes, eu a cito: “nós não vemos um outro motivo, a não ser a busca da imortalidade, que poderia incitar dezenas de milhares de indígenas, ou seja, a população de dez aldeias inteiras, a abandonar pura e simplesmente um território que eles controlavam para enfrentar os riscos de um tão longo périplo". Além disso, a despeito de sua característica massiva, o começo da migração até o Chachapoya passou desapercebido tanto dos portugueses como dos franceses, pois esses não estavam muito presentes no litoral do Brasil. Por isso, só conhecemos esse evento pelas descrições realizadas, na chegada da migração, pelos espanhóis do Vice-Reino do Peru. Os primeiros cronistas fazem menção a outras migrações durante a segunda metade do século XVI. Essas também empreendidas sem que os colonizadores franceses e portugueses cumprissem algum papel. Assim, o estabelecimento dos tupinambás no Maranhão foi realizada por três migrações sucessivas, sendo que a última foi determinada pela vontade de alcançar a Terra Sem Mal. Um caso foi bem documentado pelo padre Yves d’Évreux. Provavelmente em 1609, um capitão huguenote, que se chamava La Ravardière, e que obteve importantes concessões de terra na região do Maranhão, encontrou um grupo de indígenas potiguara, originários de Pernambuco. Eles tinham abandonado a sua aldeia para partir em busca da Terra Sem Mal. La Ravardière os conduziu à ilha de São Luís do Maranhão onde o padre Yves d’Évreux os encontrou três anos mais tarde. D’Évreux conversou com os membros da expedição e esses lhe informaram que um grande profeta os havia prometido que, eu cito Yves d’Évreux: “eles iriam possuir uma bela terra onde naturalmente todas as coisas viriam em abundância sem suor ou trabalho”. Milhares de índios abandonaram suas aldeias para seguir esse profeta, 60 mil na contagem de Claude D’Abbeville que descreve a mesma migração. Durante a viagem muitos dentre eles morreram, alguns afogados no momento da travessia de um rio, outros assassinados pelos inimigos encontrados no caminho, outros muito enfraquecidos pela fome para serem capazes de continuar. Os sobreviventes finalmente pararam, segundo D’Abbeville, no meio de uma floresta desconhecida a cerca de seiscentas léguas, ou seja, quase dois mil quilômetros do local de partida. Mesmo que com menos amplitude, a migração em direção a Terra Sem Mal continuou a acontecer durante muito tempo, inclusive após a independência do Brasil. Evidentemente, cada vez mais reprimidas pelas autoridades que não gostavam nenhum pouco desse grande deslocamento de população. E todas as migrações terminavam da mesma maneira, ou seja, de forma catastrófica, pois o projeto que animava essas migrações era totalmente suicidário. Mas, como resultado das condições pelas quais o projeto se realizava, quer dizer, o abandono da agricultura, especialmente a produção de mandioca e de milho, a desintegração das normas habituais de comportamento produzida por essa imensa migração, a viagem já era uma certa prefiguração da Terra Sem Mal. E a busca se transformava em um tipo de rejeição ativa de uma existência social comum, de uma existência na aldeia, de todo o modo. Dá-se a instauração de uma contra-ordem nômade do mesmo tipo daquela que se aspirava com o acontecimento. Então, durante séculos, são dezenas de milhares de pessoas, talvez centenas de milhares, que foram implicadas nessas migrações em distâncias que, às vezes, são consideráveis. No mais, não é totalmente impossível que o movimento pré-colombiano de expansão da língua Tupi em direção ao Oeste do continente tenha sido produzido, em parte, por esse mecanismo. E pode ser demonstrado, além disso, que os bandeirantes de São Paulo, que são esses aventureiros que conduziam, a partir do século XVII, expedições de conquista e assaltos com fins escravagistas no interior do Brasil, utilizavam para penetrar no território indígena vastos caminhos que foram abertos antes pelos migrantes Tupis na busca da Terra Sem Mal. Essas “autoestradas” em direção a Terra Sem Mal. Infelizmente, não sabemos muitas coisas sobre o desenvolvimento da vida cotidiana no interior dessas migrações e, em particular, como essas massas tão importantes podiam se deslocar de forma quase permanente, se alimentando apenas de suprimentos locais. Em sua História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão, Claude D’Abbeville é um dos raros a descrever alguns detalhes dos aspectos práticos desse hipernomadismo. E sua descrição dá uma ideia das dificuldades consideráveis que os índios deveriam enfrentar durante a viagem que durava, às vezes, muitos anos. A progressão era sempre muito lenta, evidentemente. Podemos conceber que tal quantidade de pessoas não devia se deslocar com facilidade, as crianças e os idosos atrasavam o ritmo da caminhada, era preciso garantir as provisões ao longo do caminho. A caça e a coleta ocupavam uma parte do tempo, de modo que dificilmente se percorria uma grande distância em um dia e as etapas da viagem deviam ficar próximas. Os alimentos rapidamente eram insuficientes. No início, levavam as provisões, especialmente a farinha de mandioca. Essas provisões, evidentemente, se esgotavam rapidamente. Era preciso então parar, em alguns casos desmatar a floresta para plantar o milho e esperar a colheita, o que durava alguns meses. Mas, ao menos que houvesse uma grave fome, era sem dúvida muito raro que fizessem paradas para o cultivo, e essa horticultura feita no meio do caminho estava longe de alcançar, em sua variedade e em seu rendimento, o que era feito em tempo normal nos arredores das aldeias sedentárias de origem. As migrações, então, supunham uma mudança radical nos modos tradicionais de provimento. Como a maior parte dos outros ameríndios das terras baixas da América do Sul, os tupis-guaranis eram excelentes horticultores, eles podiam produzir a cada ano uma quantidade de mandioca e de milho, e muitas outras coisas, evidentemente, que excediam consideravelmente as suas próprias necessidades. Ora, a subsistência dos migrantes se reduzia praticamente a uma economia de coleta. Como escreveu Claude D’Abbeville: “durante o caminho essa grande tropa só se alimentava de raízes da terra, de frutas das árvores, dos peixes que eles pescavam, dos pássaros que eles pegavam e de outras espécies de animais”. Portanto, se as migrações tupis-guaranis na direção da Terra Sem Mal, como tudo indica, não eram um acidente messiânico, mas uma disposição estrutural desses povos, então pode-se vislumbrar que a sua relação com a terra conheceu uma oscilação periódica entre o sedentarismo, nas grandes aldeias, e um nomadismo suicidário, como uma maneira de amplificação de um movimento de alternância sazonal que é bem conhecido, em outros lugares, nas populações autóctones do Brasil. É o caso, por exemplo, de povos do Brasil central, em particular os Bororos, do tronco linguístico Jê, que foram por muito tempo classificados, contra todas as evidências, como protocultivadores ou semicaçadores-coletores porque eles simplesmente passavam uma parte do ano em expedições de caça e coleta que a literatura etnográfica anglofônica chama de tracking. Eles habitavam grandes aldeias, circulavam com uma estrutura sócio-espacial complexa: casas, o espaço doméstico circundando a casa dos homens no meio, em geral uma divisão em duas metades etc. Esses horticultores meticulosos, essa aldeia como uma estrutura sócio-espacial complexa, eram nomadizados em massa durante um período do ano, mas, nunca, evidentemente, indo tão longe do lugar de habitat permanente. Eles, aliás, continuam fazendo isso até hoje. À diferença, então, dessa clássica alternância sazonal, que encontramos em vários lugares das terras baixas da América do Sul, as migrações tupis-guaranis percorriam territórios desconhecidos. E os seus fracassos sucessivos, quando não conduziam direto à morte, por esgotamento, por desnutrição, ou nas mãos de uma tribo inimiga, não os levavam a querer um retorno à aldeia, como na fase nova de um ciclo. Então, é uma alternância sazonal sem alternância, por assim dizer. Pois as fontes etno-históricas insistem no fato de que o fracasso em encontrar o lugar de imortalidade, a Terra Sem Mal, era sempre atribuído a causas acidentais: uma falta de dedicação às práticas, uma devoção muito insossa, um erro com relação à localização a Terra Sem Mal, ou uma fraqueza do profeta-guia que era, aliás, logo abandonado quando não levado à morte. E, ao que parece, os Tupis nunca interpretaram esse fracasso como uma prova ou uma indicação da impossibilidade da própria busca. Assim, nós os encontramos prontos, novamente, a empreender a mesma aventura. Ora, de que natureza é esse estranho nomadismo? Em seu livro sobre a Terra Sem Mal, Hélène Clastres o interpreta como um desejo de se desvencilhar das obrigações da vida na aldeia e do peso da vida em coletividade. Eu a cito: “abandono das atividades econômico-políticas tradicionais, do sistema de referência espaço-temporal, que liga os grupos entre si e situa cada indivíduo, é a vida social inteira que se vê transformada deliberadamente. A errância está aqui, justamente, para permitir uma liberação”. E ela acrescenta: “o Mal, trabalho, Lei, é a sociedade. A ausência de Mal, a Terra Sem Mal, é a contra-ordem”. Sem dúvida, deveria haver, de fato, uma dimensão catártica na migração para a Terra Sem Mal. Na resposta positiva ao apelo dos profetas, se manifestava um desejo de ultrapassamento do ordinário, de abolição das obrigações e de imersão em uma felicidade porvir. No entanto, é duvidoso que a sociedade existia para os Tupis como a descreve Hélène Clastres. O Trabalho, a Lei, a Ordem, as Obrigações. Ou seja, a partir de uma espécie de hipóstase durkheimiana, uma instância transcendente que impõe a sua norma a cada um e da qual teria sido preciso liberar-se para viver plenamente a vida. Os Tupis não eram hippies, nem anarquistas, eles não buscavam sacudir as bases da ordem moral. Não encontramos, aliás, nenhum traço nos grupos Tupis contemporâneos, ou na grande parte das sociedades autóctones das terras baixas da América do Sul, tal concepção de ordem social, como um tipo de instituição separada dos indivíduos, uma totalidade superior de cada uma das suas partes. Uma concepção que tem a sua fonte, aliás, bem longe do Brasil, na filosofia política contratualista que se desenvolveu na Europa, a partir do século XVII. É mais plausível ver na migração em direção a Terra Sem Mal uma dimensão de desterritorialização mantida como uma espécie de potencialidade catártica nos coletivos tupis-guaranis. Na medida em que a vida nas aldeias se desenvolvia, sobretudo, em um âmbito intra-humano, onde a grande questão – as análises etno-históricas mostraram bem – era de se diferenciar dos membros das aldeias tupinambás, através da vingança, da antropofagia ritual dos inimigos, que eram na verdade os vizinhos de mesma língua e de mesma cultura. Então, vizinhos que apresentavam as mesmas características. E aqui eu faço referência a uma análise clássica de Manuela Carneiro da Cunha e de Eduardo Viveiros de Castro, que demonstraram muito bem como a antropofagia ritual tupinambá era, na verdade, uma forma de incorporar o ponto de vista dos vizinhos de modo a se autodistinguir desses vizinhos. Então, na verdade, o que a vida da aldeia colocava em evidência era a relação intra-humana. A migração profética reconstituía de modo concreto, em primeiro lugar, um coletivo mais amplo, onde as divindades, as plantas, os animais e seus espíritos tornavam-se, de modo ostensivo, o meio de vida normal de desenvolver um tipo de vida no qual os não-humanos tornavam-se bem mais presentes. A caça, a coleta, a pesca, a condições austeras de vida, as danças permanentes, a mobilidade incessante, forneciam as condições e o quadro desse coletivo mais amplo. Na vida nas aldeias, então, era necessário se diferenciar do humano do qual se estava muito próximo, enquanto na errância da floresta era preciso se ligar, em uma associação mais estreita, a coletivos não-humanos dos quais se estava afastado em demasia. Em suma, a "desterritorialidade" dos migrantes tupis-guaranis pode ser vista como uma forma paroxística do animismo através da qual o coletivo humano, reduzindo o seu perímetro, devém perfeitamente isonômico com relação aos outros coletivos. Agora, o que os nômades marinheiros[i] e a migração profética nos ensinam sobre a relação com a terra? Evidentemente, estamos afastados da territorialidade como ela é normalmente entendida. Estamos em uma deriva pela superfície do mundo, uma expressão que utilizei há pouco, a propósitos dos Moken. Uma deriva que não deixa marcas, a não ser as estacas dos espíritos, erigidas na margem das praias, pelos Moken. Ou as estruturas precárias [cabanas] que os Alakaluf proibiam a demolição, permitindo aos marinheiros que cruzavam esses lugares dizer: “olha, alguns Alakalufs passaram por aqui”. São exemplos da nossa dificuldade de apreender, em nossa linguagem de seres terrestres, sedentários, essa a-territorialidade ou essa de-territorialidade, e uma tendência a defini-las de um modo negativo ou privativo, a partir daquilo que as caracteriza: ausência de reivindicação sobre o solo, ausência de apropriação do território, ausência de estocagem de alimentos, mesmo durante o caminho, como no caso dos pastores nômades, por exemplo. O único traço positivo é a extrema mobilidade e uma orientação predatória sempre no limite da escassez de alimentos. É por isso que o termo “coletivo livre” me pareceu adequado para qualificar essas associações em sua relação com a terra. Uma liberdade de movimento que não exclui a relação com as exigências típicas de certo meio e de certos modos de vida, desde os mamíferos aquáticos até as divindades. Nós vimos, também, que entre essas existências associadas, existe raramente espaço para outros humanos. A não ser entre os Moken, com essa espécie de mortos na fronteira da humanidade que são os ancestrais. Em nenhuma parte o espaço percorrido é disputado contra outros humanos. Inclusive no caso dos migrantes tupis-guaranis, que não disputavam o espaço porque se contentavam em atravessá-lo, mesmo colocando em risco as suas vidas na passagem pelos territórios inimigos. Quanto aos espíritos, às divindades, às plantas, aos animais, com os quais esses nômades coabitam, é manifesto que esses são também habitantes discretos dos lugares atravessados pelos humanos, já que eles não reclamam, não mais que os próprios humanos, uma exclusividade de ocupação do território ou não reclamam um tributo a ser pago pelo uso do espaço. Então, nessa vagabundagem generalizada, não faz sentido falar até mesmo em ocupação do espaço, um noção assim não é pertinente já que vários coletivos compartilham o mesmo espaço de forma complementar e devem se acomodar reciprocamente. Tradução: Alexandre Mendes Notas: [i] N.T. Referência à primeira parte da aula, não traduzida aqui. Para um desenvolvimento em detalhes, ver o resumo do curso, disponibilizado na apresentação deste texto. Sugestões de leitura: